terça-feira, 23 de outubro de 2012

Tiro no próprio pé

Ironia das ironias, Pedro Santos Guerreiro (PSG) começa por reclamar para si -- de forma hábil -- um estatuto de isenção. Assumamos o pior sobre si, arrumemos de imediato essa questão -- diz ao leitor de modo inteligente e desarmante -- e passemos à substância. Não resiste, porém, de certa forma fugindo à substância, em salientar que João Duque "não percebe o conflito de interesses em que se vê envolvido, por receber remuneração do candidato [Impresa] que favorece no concurso".
Bom, mas não é essa também a sua situação? Receber remuneração da parte que defende? Não percebe também ele o conflito entre o seu estatuto de director de um jornal da Cofina, precisamente uma das partes que perde com os termos do concurso proposto por João Duque, e o editorial que escreve?
Perceber, percebe, mas Pedro Santos Guerreiro espera que a sua credibilidade -- repetidamente demonstrada ao longo dos anos -- o coloque à margem de qualquer suspeição relativamente a um eventual conflito de interesses. Porém, ainda que assim seja, o conflito de interesses está presente também no seu caso. É um facto.
Não lhe fica bem, por isso, falar no conflito de interesses de João Duque quando ele próprio tem, na matéria em que escreve, um óbvio conflito de interesses. Tal como não vejo nenhuma razão para assumir o pior em relação a PSG, de igual modo não vislumbro também nenhum motivo para ter como ponto de partida qualquer suspeição em relação a João Duque -- ainda que, note-se, se possa criticar a sua decisão.
Se é para assumir que à mulher de César não basta ser séria, é igualmente necessário parecer, nesse caso ou comem todos pelo mesmo prato, ou então mais vale estar quieto. A natureza humana é igual para todos.
P.S. -- Em bom rigor, o artigo de PSG teria passado muito bem sem a referência despropositada, no contexto, ao suposto conflito de interesses de João Duque. O que está em causa, a tal substância que PSG queria discutir (embora depois se tenha perdido pelo caminho com as suspeições sobre conflitos de interesses), é a forma como João Duque contorna os obstáculos que lhe são impostos pela lei. Mesmo que não houvesse conflito de interesses, o 'problema' criado pela lei e pela decisão de João Duque continuaria a existir.