quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Portugal e Mali: abordagem erradamente minimalista

Na sequência da intervenção militar francesa no Mali, o Governo português emitiu um comunicado em que reconhecia que a mesma constituía "um contributo importante para evitar a tendência de desestabilização naquela região". Pessoalmente teria preferido uma declaração de apoio mais explícita, até porque se reconhecia existir uma "ameaça real à paz e segurança internacionais", mas o Ministério dos Negócios Estrangeiros optou por um registo mais cauteloso e algo lacónico.
Mais importante, a ausência de qualquer contributo português para o esforço militar francês é para mim motivo de total discordância. Em visita a Paris esta semana, Pedro Passos Coelho relegou o contributo português para a EUTM no âmbito da formação militar que será prestada às Forças Armadas malianas e escudou-se nas nossas "dificuldades económicas" que "não nos deixam fazer uma intervenção ao nível militar", i.e. enviar "efectivos militares".
Vamos por partes. Portugal, desde que aderiu à União Europeia, quer nesse palco, quer no âmbito da NATO, tem procurado manter à sua escala uma presença constante em missões e teatros de operações, o que lhe tem permitido afirmar-se como um produtor de segurança internacional. Esta orientação tem sido seguida por sucessivos governos, PS e PSD, e não levantou até hoje -- excepto no caso do Iraque -- qualquer tipo de divisão política interna. Esta participação em geografias tão distintas como o Kosovo, Afeganistão ou Timor-Leste tem sido crucial para afirmar a credibilidade portuguesa e tem reforçado as nossas credenciais quando nos candidatamos a órgãos de instituições internacionais, como por exemplo, o Conselho de Segurança da ONU. A política externa portuguesa tem, portanto, um interesse indiscutível naquilo que se passa no Mali e na intervenção militar francesa. Interesses vários -- de afirmação da nossa política externa enquanto produtor de segurança, de afirmação da vertente africana da nossa diplomacia, de combate ao terrorismo e ao narcotráfico, de estabilização da África Ocidental e do Magrebe, enfim, a lista poderia continuar -- justificam a nossa atenção na região do Sahel.
Mas há mais. Portugal não pode pedir/exigir a solidariedade dos seus parceiros europeus e não retribuir na medida das suas capacidades quando eles precisam, como era -- e é -- agora o caso da França.
Ora, o leque de opções não era entre participar mais à frente na EUTM ou enviar agora efectivos militares. Países da nossa dimensão -- e, portanto, do nosso campeonato (deixo de lado a Alemanha, Itália, e Reino Unido, entre outros) --, optaram por soluções intermédias. A Dinamarca disponibilizou um Hercules C-130 e a Bélgica dois C-130, bem como dois helicópteros A-109 para evacuação médica. Havia, portanto, outras soluções potenciais na palete de opções e que nos teriam permitido marcar presença, por todas as razões e mais alguma (por interesse próprio e por solidariedade europeia), mesmo tendo em conta as nossas dificuldades económicas.
Optámos, a meu ver erradamente, por uma solução minimalista. Não se trata de "ambições imperiais ou de potência regional" para relembrar palavras recentes (e erradas) de Nuno Morais Sarmento a propósito da dimensão da nossa rede diplomática, mas sim de actuar no sentido de salvaguardar os nossos interesses e a nossa influência. Ao contrário do que uma leitura mais desatenta possa levar a pensar, o que se passa no Mali é do nosso interesse. E precisamente por isso é que deveria ter merecido da nossa parte outro tipo de contributo. Infelizmente não foi essa a leitura que prevaleceu.