"Não aceito que se vá agora enviesar uma discussão para saber se se deve ou não privatizar a RTP, que é o que vejo no debate público. Essa linha de orientação estratégica foi apresentada aos portugueses no Programa de Governo apresentado nas eleições, os portugueses disseram 'sim' e este Governo, têm que se habituar, cumpre as promessas que faz", afirmou José Pedro Aguiar-Branco.
Alguém que explique, por favor, a Aguiar-Branco que este é o último, mas o último mesmo, dos argumentos a utilizar.
De certa maneira, estamos aqui a revisitar o debate à volta do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) no primeiro mandato de José Sócrates. Na altura, Sócrates, tal como outras figuras socialistas, também diziam que a construção do NAL tinha sido legitimada pelo voto. (Vale a pena revisitar um artigo escrito por Vítor Bento, salvo erro no Diário Económico, desmontando a argumentação do Governo.)
Ora, na verdade, ninguém vota medida a medida, proposta a proposta. Qualquer cidadão vota nas propostas de um partido político sem se pormenorizar através do voto exactamente em quais concorda ou discorda. Ninguém com dois palmos de testa concorda seguramente com tudo o que está num Programa de Governo sem que isso, contudo, invalide o seu voto nesse mesmo Governo.
Por outro lado, mesmo que uma determinada linha estivesse formalmente legitimada pelo voto, tal não queria dizer que essa política devesse ser implementada independentemente da sua bondade. Em teoria, e em termos abstractos, uma determinada medida não deixa de ser ilegítima apenas porque foi legitimada pelo voto.
Acresce que Aguiar-Branco deixa transparecer na sua intervenção uma visão totalmente ultrapassada dos mecanismos de accountability. Na prática, o que Aguiar-Branco está a dizer é que o cidadão é chamado a votar de quatro em quatro anos e o seu papel activo esgota-se nisso. Digamos que é uma visão muito pobre dos mecanismos de intervenção no espaço público, do papel a desempenhar pela sociedade civil e, em última instância, do próprio jogo democrático -- justiça seja feita, tenho a certeza absoluta que não é esta verdadeiramente a visão de Aguiar-Branco.
Em suma, o argumento da 'autoridade' e do facto consumado é o pior dos argumentos. Em vez de utilizar argumentos pela 'negativa', talvez fosse mais inteligente mostrar quais as vantagens do modelo escolhido para a RTP. Receio que já seja tarde, mas isso é outra conversa.