sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Formas pouco subtis de deslegitimação

"As pessoas votaram sobretudo contra Sócrates. Não votaram por Passos Coelho", diz o filósofo-sol José Gil em entrevista publicada no Jornal de Negócios.
Não sei como é que José Gil sabe tantos detalhes de natureza sociológica sobre o modo como se processou o sentido de voto dos portugueses em 2011. Imagino que deve ter tido acesso, muito provavelmente, a um estudo científico não publicado -- não liguem à contradição -- e possivelmente por traduzir ainda. Não se trata de conversa de café, de certeza absoluta, porque o homem da não-inscrição prima por análises um pouco mais sofisticadas do que isso. Conversa de taxista também não é porque a Anabela Mota Ribeiro, tanto quanto me lembro, não costuma entrevistar o mexilhão para o Jornal de Negócios.
O filósofo-sol tem toda a razão em especificar que as "pessoas" votaram em Passos Coelho, mas não era bem isso que queriam fazer. Já todas as outras "pessoas" votaram de forma consciente e deliberada. Quem votou no BE, PCP, PS (e no CDS, pronto, estou a ser democrata) sabia muito bem o que estava a fazer. As "pessoas" que votaram no PSD é que foi um pouco sem querer. Por mim, os boletins de voto deviam passar a ter no verso um campo para observações em que cada uma das "pessoas" deveria mencionar, por imperativo de consciência, as suas objecções à sua própria escolha. Esses votos, aliás, só deviam contar metade. A democracia não-inscrita é assim. Há votos de primeira e votos de segunda. Há líderes eleitos cuja legitimidade democrática é indiscutível, e depois há os outros, cuja legitimidade está ferida de morte porque, no fundo, as "pessoas" não os escolheram de verdade.