"Não se intimidem [i.e. o Governo] com a contestação social e forcem os credores a serem mais compreensivos com o país. Aproveitem para tentar renegociar" com a troika, aconselhou Luís Amado.
De facto, o receio de que o tão elogiado consenso social possa dar lugar a um crescente número de situações de contestação social pode vir a ser uma mais valia importante do ponto de vista do Governo.
Foi o que aconteceu, aliás, num contexto diferente em Setembro de 1999. Na sequência da consulta popular em Timor-Leste, as milícias timorenses pró-integracionistas espalharam o terror no território. Na altura, uma onda de solidariedade varreu Portugal. Os acontecimentos do "Dia Branco" foram utilizados de forma exímia por António Guterres para pressionar os Estados Unidos. O ex-Primeiro-Ministro do PS utilizou a situação interna portuguesa para transmitir aos EUA a mensagem de que Portugal não poderia continuar a apoiar activamente a intervenção militar no Kosovo se os seus aliados não manifestavam igual solidariedade na questão timorense. Os norte-americanos levaram a posição -- e ameaça -- de Guterres muito a sério. É claro que não foi apenas -- sobretudo? -- por isso que os EUA forçaram a Indonésia a aceitar uma força de manutenção da paz da ONU. Mas o "Dia Branco" deu uma cobertura política preciosa a Guterres no sentido de lhe permitir pressionar de forma mais eficaz os EUA.
Recordo este episódio a propósito da actual situação. O Governo pode e deve utilizar a contestação social como uma arma negocial. A contestação social dá cobertura política ao Governo para tentar convencer a troika a renegociar. Dito de outra maneira, quanto mais difícil for a posição do Governo e quanto maior for o risco de erosão política, maiores serão os incentivos para que a troika repense a sua abordagem. É também por motivos de natureza negocial que considero que deve entrar no debate político a possibilidade de se referendar a continuidade de Portugal no euro. A introdução do tema na agenda política -- não tem de ser Pedro Passos Coelho a dar o tiro de partida -- faria soar vários alarmes, por exemplo em Bruxelas e Berlim, para dar apenas dois exemplos.
Em suma, é preciso criar incentivos que levem a troika a renegociar. A estratégia do Governo português de se apresentar como o bom aluno é uma coisa. Outra, diferente, é a estratégia, por assim dizer, dos portugueses. Até agora também fomos bons alunos como o Governo português. Porém, ao contrário deste, não temos obrigatoriamente de ser bons alunos. O risco de os portugueses passarem de bons a maus alunos é seguramente encarado com preocupação pela troika, e como tal constitui um poderoso incentivo à negociação.