domingo, 30 de dezembro de 2012

A realidade é aquilo que o homem quiser

"[O] memorando já deveria ter desaparecido, e se o Governo quisesse já o podia ter deitado fora com o acordo das instituições internacionais. O memorando teve a evolução que o Governo quis, e se tivéssemos outro governo, o acordo teria seguido outra evolução", salienta Pedro Lains (DN, 30.12.2012: 5).
Quem leu a entrevista poderá ter ficado com a impressão -- errada -- que Pedro Lains, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS), faz parte da liderança bicéfala do Bloco de Esquerda. Puro engano. Apesar de ultrapassar o PS pela esquerda e de centrar as suas críticas políticas na banca, na troika e no Governo, Lains é entrevistado essencialmente na sua qualidade de académico e de investigador do ICS. Ora, que um investigador sério e com currículo, ao contrário do outro, possa dizer a barbaridade com que começa este texto é realmente espantoso. Acresce que a visão que Lains apresenta é completamente desfasada da realidade. Na sua perspectiva, propositadamente simplista, bastaria ao Governo querer para que as instituições internacionais aceitassem a sua vontade. Era bom, era...
Mais. Uma parte significativa do que diz na citação que aqui faço -- quase tudo, na verdade -- é impossível de refutar e totalmente especulativo. Confesso que pessoalmente, e ao contrário de Lains, não sei o que quer, ou deixa de querer, o Governo. Ao longo dos últimos 18 meses, não estive presente nas reuniões do Conselho de Ministros, ou em outros encontros de natureza informal em que se tenha discutido a estratégia do Governo. Terá Pedro Passos Coelho discutido com Lains a sua estratégia? Ou será que esteve presente nas reuniões com a troika? Como é que Lains sabe que, no essencial, com outro governo o acordo seria diferente?
Na verdade, tudo se resume à sua primeira observação. Lains gostaria de reescrever o memorando de alto a baixo. Curiosamente, ao longo da entrevista, não há um único comentário crítico que seja em relação ao PS. PS que, lembre-se, foi o grande -- não o único, note-se -- responsável pela negociação do conteúdo inicial do memorando. Mas o PS é uma outra conversa e essa, imagino, não era a conversa que Lains queria ter na entrevista.
P.S. -- Faço a justiça a Pedro Lains de lembrar que, em devido tempo, foi muito claro sobre as águas em que anda a navegar.