domingo, 24 de março de 2013

A Cimeira das Lajes

Bernardo Pires de Lima, A Cimeira das Lajes: Portugal, Espanha e a Guerra do Iraque (Tinta da China, 2013).
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Conheço Bernardo Pires de Lima (BPL) muito superficialmente. Numa ou noutra circunstância ocasional trocámos algumas palavras e não muito mais do que isso. E conheço, evidentemente, alguns dos seus artigos publicados em revistas de circulação mais restrita. Digo isto, em jeito de introdução, para esclarecer que não há amiguismo ou inimiguismo naquilo que vou escrever.
Os investigadores portugueses no domínio das Relações Internacionais dedicam muitas vezes a sua atenção a temas que só indirectamente estão relacionados com a política externa portuguesa. Tal resulta de diversas circunstâncias que agora não vale a pena explorar. Saliento isto apenas para dizer que, perante a escassez de atenção e de reflexão que é dada à política externa portuguesa, é sempre com interesse que folheio -- e leio se valer a pena -- as excepções à regra.
Esclareço desde já: estamos perante um excelente livro. Não só está bem escrito, como está igualmente bem documentado. BPL consegue estabelecer um equilíbrio harmonioso entre a análise e a descrição dos factos. Merece, por isso, toda a atenção do leitor.
BPL entrevistou e conversou com diversos intervenientes no processo que levou à Cimeira das Lajes, facto que lhe permitiu recolher informação em primeira mão. Faltou-lhe apenas entrevistar José Manuel Durão Barroso, facto que a entrevista a António Martins da Cruz compensa muito, mas obviamente não substitui. Tal, em todo o caso, em nada diminui o seu esforço e o resultado final.
Ao longo de cerca de 200 páginas, BPL revive todo o encadeamento dos factos que levou à Cimeira das Lajes e expõe, de forma plenamente conseguida, as tensões e os alinhamentos numa espiral que seria sem retorno.
Quando se olha criticamente para um livro é quase da praxe tentar encontrar falhas. Na verdade, elas quase que não existem. Diria que talvez se justificasse um olhar mais demorado e mais conceptual sobre a clivagem entre Atlantistas e Europeístas, digamos assim. Mas, repito, tal em nada diminui a qualidade deste excelente livro.
Em suma, recomendo vivamente a sua leitura.

P.S. -- Numa nota marginal para geeks das RI, e naquela que será porventura a minha única divergência com BPL, tenho muitas dúvidas que se possa dizer que o "pensamento de Jorge Sampaio é herdeiro do realismo clássico" (p. 90). Muito pelo contrário. Nesta matéria, como noutras, o comportamento e o raciocínio do ex-Presidente pareceu-me sempre muito mais próximo de uma abordagem liberal/institucionalista. Evidentemente, as funções impunham-lhe algum pragmatismo, mas Sampaio não era, no essencial, alguém alinhado com uma abordagem próxima da realpolitik.