Juros da dívida persistem acima de 7% e ameaçam programa cautelar. Este era o título ontem de uma notícia no Público. Não foi há muito tempo que Vítor Gaspar dizia, em mais um dos seus muitos erros de previsão, que Portugal regressaria agora aos mercados. Em Janeiro, Marcelo Rebelo de Sousa chegou a vaticinar que até poderia ser antes de Setembro.
Em Dezembro de 2012, escrevi o seguinte (p. 42): "It is therefore not surprising that rumors over the possibility of a second bailout or an additional extension of the deadline of the first have circulated. In any case, although it is not impossible, it will be difficult for Portugal to regain market access anytime soon, let alone in 2013, as the troika program and government predicted."
Devo dizer que no primeiro semestre deste ano cheguei a pensar que me tinha enganado e que teria sido demasiado pessimista. Porém, pelos vistos, a realidade é outra: enganei-me ao pensar que me tinha enganado.
O que explica o (novo) erro de previsão?
Alguns analistas apontam o dedo à demissão de Vítor Gaspar, à crise política posterior com a demissão irrevogável de Paulo Portas, bem como às decisões do Tribunal Constitucional (TC). Será seguramente parte de explicação. Mas será toda a explicação, ou mesmo a sua parte essencial?
Dito de outra maneira, vamos partir do pressuposto que não teria existido a crise política, ou até que o TC teria decidido de outra forma. Os juros da dívida seriam muito diferentes do que são hoje?
Provavelmente não, o que significa que, muito possivelmente, a explicação é outra.
Regresso ao que escrevi em Dezembro de 2012: "Although Portugal is implementing the measures agreed with international lenders, there is a growing sense that a stable economic outlook is not entirely in Portuguese hands, but rather depends on developments at the European level."
Na minha opinião, a chave para perceber a actual subida nos juros da dívida não se encontra nos acontecimentos do Verão passado, ou nas decisões do TC. Encontra-se, isso sim, no tabuleiro europeu. Os juros estão a subir em resposta aos comentários de Jeroen Dijsselbloem e à indefinição instalada até Novembro. O Governo tem responsabilidade na matéria apenas na medida em que assumiu publicamente a divergência com o Eurogrupo.
Não haja ilusões. Com ou sem crise política, com ou sem chumbos do TC, muito provavelmente a realidade actual seria muito semelhante. Na verdade, o regresso aos mercados em Setembro de 2013 foi sempre uma previsão arriscada. Importa, porventura, lembrar que o BCE ainda não considerou que Portugal poderia beneficiar das famosas OMT. Com ou sem crise política é provável que de qualquer modo não o tivesse feito. Note-se que a Irlanda não teve crise política e o BCE ainda não disse que preenchia os requisitos para beneficiar do programa.
Não sei como irão evoluir os juros da dívida nas próximas semanas, mas algo me diz que a existir alguma variação relevante será para pior. Antes de Novembro -- e do fecho das oitava e nona rondas de avaliação da troika -- a situação dificilmente melhorará. O regresso aos mercados, na melhor das hipóteses só acontecerá em 2014 e sob a guarida de um programa cautelar. É a vida.