Pedro Passos Coelho vai a Angola em Outubro, altura em que decorrerá a primeira cimeira bilateral. Portugal já tem cimeiras bilaterais regulares com Cabo Verde e Moçambique, pelo que não fazia muito sentido que Angola ficasse de fora deste mecanismo de encontros regulares. Isto, claro, assumindo que as duas partes tinham interesse nisso, o que demorou, segundo julgo saber, algum tempo a clarificar.
Por falar em Angola, acabei ontem de ler o livro O Poder Angolano em Portugal, escrito por Celso Filipe, subdirector do Jornal de Negócios e, por coincidência, autor da notícia acima citada.
Por regra, por razões óbvias, não escrevo sobre livros que entendo que não vale a pena ler, ou que tenho dúvidas que valha a pena ler. Isto dito, diria que este livro até poderia ser francamente melhor, no mínimo dos mínimos se tivesse tido alguém na equipa da editora Planeta que tivesse feito um trabalho editorial minimamente cuidado, revisto o manuscrito e sugerido um conjunto mínimo de alterações formais. Enfim, não vou ser exaustivo, até porque este texto não é uma recensão, mas apenas um conjunto de notas soltas. Alguns exemplos. O livro tem uma bibliografia recomendada à luz de um critério desconhecido. Não só a mesma é profundamente incompleta, rudimentar mesmo, não incluindo até -- o mínimo que se poderia esperar -- algumas obras que se citam no próprio livro (José Freire Antunes, Alcides Sakala, Rafael Marques, entre outros). Por falar em citações, dois problemas adicionais. As poucas notas inseridas confirmam que o autor não as sabe apresentar (a nota na p. 22, por exemplo, remete para uma pesquisa no Google, em vez de dirigir o leitor directamente para a obra que se queria referir). Depois, ao longo livro, há dezenas citações que o autor não detalha devidamente, impedindo assim o leitor, se quiser, de consultar a fonte. Siglas que não se refere o significado (PALOP), siglas que se refere o significado mais de uma vez (MPLA, UNITA), siglas que se refere o significado posteriormente à sua primeira utilização, enfim, a lista poderia continuar.
Celso Filipe é apresentado na badana do livro como "um dos poucos especialistas nacionais em África de língua oficial portuguesa" -- enfim, água benta, cada um toma a que quer -- e no texto refere com um desdém implícito a "chusma de especialistas em assuntos africanos" que emergiu em Portugal a partir de 2002 (p. 14). Admitamos que sim, i.e. que o autor é um dos happy few no clube de elite de especialistas em África lusófona. Nada contra. No meu caso faço parte da chusma de curiosos que segue os países de língua portuguesa, sem o selo de qualidade autorgado pelo autor. É a vida. Ignore-se, portanto, o que tenho escrito sobre Portugal e Angola, curiosamente até sobre o assunto que é o tema central deste livro. O facto de o autor ser um dos poucos especialistas sobre África lusófona em Portugal explica, porventura, o número limitadíssimo de fontes que cita, as poucas entrevistas que realizou, e o uso e abuso de citações de Xavier de Figueiredo e respectiva Africa Monitor. Afinal, o resto é paisagem...
Mas não queria que este texto fosse marcadamente negativo, como receio que esteja a ser. Tenho muito respeito por quem escreve e investe nesse esforço dezenas e dezenas de horas. Para terminar numa nota mais positiva, diria que o grosso da informação contida é do conhecimento público e por isso acrescenta pouco a quem conheça o assunto. Mas para quem não conheça, diria que se trata de um bom ponto de partida. Uma espécie de manual para iniciantes.