sábado, 14 de setembro de 2013

Uma recaída isolacionista

Tal como Vasco Pulido Valente, José Manuel Fernandes (JMF) também detectou uma "uma nova recaída isolacionista", ou muito simplesmente "uma recaída isolacionista" (Público de ontem). Os EUA, escreve JMF, parecem "querer regressar aos limites da sua concha". JMF termina o seu artigo com uma citação de Timothy Garton Ash sobre o decrescente intervencionismo militar de Washington.
Vamos por partes, tendo como ponto de partida o que já referi em relação ao artigo de Vasco Pulido Valente. Primeiro ponto: JMF compara o que não é comparável, i.e. os EUA de Obama com os EUA de Woodrow Wilson. Dito de outra maneira, JMF compara e tira ilacções de situações cujas variáveis não são constantes. A diferença mais óbvia é que os EUA de Wilson não eram a potência hegemónica no sistema internacional, ao contrário do que acontece hoje em dia.
Segundo ponto: eu gostava que JMF sustentasse com factos a sua afirmação de que os EUA -- quais EUA? Obama? Congressistas? Opinião pública? -- querem regressar aos "limites da sua concha". Mais. Que limites são esses? Qual é a concha? Como é que isso se conjuga com os documentos oficiais que são conhecidos -- tanto do State Department como do DoD -- que apontam precisamente para a manutenção da hegemonia político-diplomática, militar e económica dos EUA? (E a discussão do alegado isolacionismo poderia ser feita em maior detalhe em cada uma destas três vertentes.)
Terceiro ponto: de certo modo, JMF usa, ou refere, isolacionismo e intervencionismo quase como se fossem sinónimos. A recaída isolacionista de Washington, no fundo, corresponde a uma suposta diminuição na vontade de intervir militarmente onde e quando tal seja necessário. Enfim, seria interessante, uma vez mais, discutir se tal é verdade. (Ainda recentemente um artigo de opinião no Público referia diversas das inúmeras intervenções militares dos EUA no pós-Guerra Fria.) Mais importante, importa frisar que uma eventual redução nas intervenções militares e no intervencionismo não significa, como é óbvio, que se está a seguir uma orientação isolacionista.
Mas regressemos ao princípio. A realidade é que uma intervenção militar contra a Síria -- e esta em particular que parece ter sido desenhada com os pés --, ainda que limitada na sua escala, não assentaria em pressupostos estratégicos claros. Mais. Tal corresponderia a uma desfocagem em relação ao que é essencial para os EUA, i.e. China e Rússia num quadro macro e Irão no tabuleiro regional. Na verdade, por muito que isso custe a aceitar (e muito francamente não sei porque custa a aceitar), a guerra civil na Síria tem relevância periférica no grande quadro dos interesses geoestratégicos dos EUA. E assim sendo, é óbvio que uma intervenção militar na Síria não poderia deixar de ter opositores, tanto entre os norte-americanos como junto dos seus aliados.