terça-feira, 29 de outubro de 2013

O direito à privacidade

Hoje em dia multiplicam-se as ameaças à privacidade com as origens mais diversas e com graus de sofisticação cada vez maiores. O problema parece ser tanto mais grave porque muitos cidadãos não se importam rigorosamente nada com a sua salvaguarda. De certo modo, diria que, por várias razões, nunca a privacidade foi tão pouco estimada.
Há alguns anos atrás entendia que se alguém expunha a sua vida privada com o intuito de retirar dividendos, uma vez aberta essa porta, a partir daí era legítima a sua devassa, para o bem e para o mal. Da mesma forma, considerava também que se um político tinha em privado uma conduta contrária à sua posição pública e política, nesse caso era igualmente legítimo que essa divergência fosse noticiada na comunicação social.
Há muito que considero que a minha posição estava errada. Hoje penso de forma diferente, eventualmente mais tolerante. Mesmo que alguém tenha aberto as portas da sua casa à comunicação social, abdicando da sua privacidade, ou que um político tenha em privado uma conduta diferente da sua posição pública e política, mesmo assim considero que uns e outros têm direito à salvaguarda da sua privacidade.
Vem isto a propósito do que se está a passar com Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho. Ainda que no passado tenham retirado proveito da exposição da sua privacidade, ou de parte dela, como julgo que terá sido o caso, entendo que mesmo assim a comunicação social deveria ter alguma reserva na cobertura mediática do processo de divórcio litigioso em curso. Não é isso que está a acontecer, muito pelo contrário. Nos últimos dias, a comunicação social, parte dela, não se inibiu de revelar tudo e mais alguma coisa, eventualmente com o contributo dos próprios, relatando factos, verdadeiros ou não, que são da sua esfera privada. É claro que nada do que se está a passar entre os dois nos interessa enquanto cidadãos ou nos diz respeito pessoalmente. Nada do que está a ocorrer na sua vida privada é relevante do ponto de vista do espaço público. Em suma, não há nenhuma justificação para a violação da sua privacidade, ainda que parte dos factos possa ocorrer na via pública, ou que os intervenientes sejam eles próprios fonte de (des)informação.
As figuras públicas, tal como o cidadão anónimo, também têm o direito à privacidade, mesmo que no passado a tenham estimado muito mal.