Regresso ainda ao confronto entre Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi. O título na capa da edição de ontem do Jornal de Negócios era o seguinte: "'Golpe de Estado' no BES fracassa. Nas páginas interiores era: "Ricciardi falha destituição de Salgado".
Bem sei que um título é apenas um título, quase que por definição trata-se de uma simplificação. Mas o problema com os títulos é que muitas vezes determinam o ângulo de abordagem. Peguemos neste caso concreto. O golpe de Estado terá mesmo falhado? Haveria mesmo a expectativa que Ricardo Salgado se demitiria de imediato? Dito de outra maneira, José Maria Ricciardi falhou mesmo a destituição de Salgado?
O meu problema com esta leitura (e estes títulos) é o seguinte. Ricciardi é assim tão pouco inteligente que não soubesse para que lado pendia o equilíbrio de forças no interior do Conselho Superior do GES? Seria tão pouco inteligente ao ponto de fazer uma investida às cegas?
Não parece uma leitura muito razoável, pois não, caro leitor?
Se assim é, nesse caso, mais do que um golpe de Estado que falhou, ou de uma destituição falhada, o que ocorreu foi o primeiro tiro numa batalha que agora começou. Nada fracassou, ou falhou, muito simplesmente a guerra foi oficialmente formalizada e não mais do que isso.
Para a tese do golpe de Estado fracassado, ou da destituição falhada, fazer sentido era necessário que tivesse ocorrido uma outra coisa, que não terá acontecido, ou que pelo menos o Jornal de Negócios não refere. José Maria Ricciardi foi traído pelos seus aliados? Quem, já agora? No momento da verdade, houve no Conselho Superior do GES quem o abandonasse? Quem?
Parece-me mais razoável olhar para esta questão de outra forma. José Maria Ricciardi perdeu uma batalha. Uma batalha que ele sabia de antemão que perderia, mas que em todo o caso tinha de perder para dar o início à guerra. E a guerra apenas agora começou...
P.S. -- Este texto é um exercício de especulação. Digamos que estou a pensar em voz alta. Vai na volta e até pode ser que nada disto tenha muito sentido. Um outro exemplo. Será que o objectivo de José Maria Ricciardi passa mesmo por destituir Ricardo Salgado? Ou será que, mais do que destituir Salgado, Ricciardi quer apenas -- um grande 'apenas' -- condicionar o processo de escolha do sucessor do seu primo? É que, a partir de agora, o Conselho Superior do GES terá de ter em conta as novas realidades e os novos equilíbrios. O peso da palavra e a influência de Salgado no processo mudou de um dia para o outro. Subitamente, pela primeira vez, ser o potencial delfim de Salgado pode não ser uma vantagem. Quem lhe quiser suceder sabe, a partir de agora, que terá de assegurar a aquiescência de terceiros. De Ricciardi, por exemplo. No mínimo dos mínimos, ao 'falhar' a tal destituição de Salgado, ao 'fracassar' o tal golpe de Estado, a verdade é que Ricciardi -- e os seus aliados não declarados até ao momento -- passou, passaram, a ter muito mais poder. E esta, hein?