domingo, 19 de janeiro de 2014

AAVV: Quarto de Hóspedes [2]

POEMA ENCOMENDADA [Rui Caeiro]

No quarto, nem sequer de hóspedes, no quarto
escuro das arrumações, fui dar com a minha
vida, e em que lindo estado. No meio de uma
inqualificável tralha, lá estava ela, ao fundo,
a minha vida, encore bien que je te trouve!,
mas tão desconchavada a pobre, tão anémica
que metia dó. Que situação tão constrangedora,
pensei, sem lho dar a entender. Que posso
eu fazer por ti que não seja fugir depressa
daqui ou enfiar-me logo pelo chão abaixo?
E tu, minha vida, vá, deixa-te ficar, tant mal
que bien, e olha que o quarto também não é tão
mau assim. E desacompanhada não ficas nunca
(seria aliás difícil, com toda a tralha em volta...)
e olha que nestas coisas é como no demais, é como
em certos casamentos: NÃO DEU NÃO DEU, adiante.

AAVV, Quarto de Hóspedes (Língua Morta, 2013), p. 79.